LiteraRua - Fabio Corvo - A Construção das Lutas Coletivas: Entre a Utopia e o Esgotamento

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LiteraRua - Fabio Corvo - A Construção das Lutas Coletivas: Entre a Utopia e o Esgotamento
LiteraRua - Fabio Corvo - A Construção das Lutas Coletivas: Entre a Utopia e o Esgotamento (Foto: Reprodução)

A Construção das Lutas Coletivas: Entre a Utopia e o Esgotamento.


Eu sou criado e formado por lutas coletivas. Minha existência é feita de histórias de resistência, por mãos que se entrelaçam na construção de um mundo menos desigual. Não sei viver de outra forma. A luta coletiva é o alimento que me sustenta, a bússola que norteia meus passos. Mas, ultimamente, tenho me permitido mergulhar em reflexões incômodas: até que ponto essas lutas são realmente coletivas? Ou será que, no fundo, muitos de nós esperam por salvadores da pátria, figuras heróicas que carreguem sozinhas o fardo da responsabilidade, enquanto a maioria se acomoda na plateia, apontando falhas e ditando regras?

É como se houvesse uma divisão invisível de papéis: de um lado, os que lutam, os que se doam, os que sangram; do outro, os que observam, criticam e exigem, mas raramente se sujam. E assim, a luta coletiva, que deveria ser um rio imponente de forças unidas, transforma-se em um pequeno córrego, sustentado por poucos, enquanto muitos se beneficiam de suas margens sem molhar os pés. Essa dinâmica, além de injusta, é exaustiva. Quem se dispõe a construir essas lutas carrega não apenas o peso das causas, mas também o fardo da solidão e da sobrecarga.



Pra alguém como eu, que venho da Cultura Hip Hop, é muito claro que a luta é também uma arte, uma dança de corpos e vozes que precisam estar em sintonia. Mas como dançar quando alguns insistem em ficar parados, apenas observando o ritmo alheio?
É preciso estar alerta para o perigo de romantizar a luta, como se ela fosse apenas um ato de heroísmo e não um processo contínuo, doloroso e, muitas vezes, ingrato. O ativismo , a militância, não são somente rosas. É preciso também, ter coragem de enfrentar os espinhos.
A luta deve ser feita de pequenos gestos, de gente comum, de quem não espera reconhecimento, mas também não aceita ser explorado no próprio processo de transformação.

A sobrecarga de quem luta é um tema que precisa ser discutido com urgência. Quantos já não se sentiram esgotados, física e emocionalmente, por carregar sozinhos o peso de causas que deveriam ser compartilhadas? Quantos já não se perguntaram se vale a pena continuar, quando percebem que muitos dos beneficiados pelas lutas preferem o conforto do silêncio ao incômodo da ação? É preciso reconhecer que a luta coletiva só se sustenta quando é realmente coletiva, quando todos assumem sua parcela de responsabilidade, quando ninguém se contenta em ser apenas espectador.
Mas como construir essa consciência coletiva? Como transformar a passividade em ação, a crítica só pela crítica, em engajamento real? Talvez a resposta esteja justamente naquilo que os próprios lutadores já fazem: educar, conscientizar, mostrar que a luta não é um espetáculo, mas uma construção diária. É preciso romper com a ideia de que existem salvadores da pátria, figuras míticas que resolverão todos os problemas enquanto o resto da sociedade assiste, passivo. É preciso transformar essas lutas de fato em construções coletivas. A luta é de todos e todas, e todos e todas devem se envolver, cada um com suas possibilidades, mas sem se esconder atrás de desculpas ou comodismos.

No fim, a construção coletiva é como um mutirão: só funciona quando todos colocam as mãos na massa. E, assim como num mutirão, o resultado final é sempre mais bonito quando é fruto do esforço de muitos. Mas, para isso, é preciso abandonar a zona de conforto, deixar de lado a postura de crítico distante e assumir um papel ativo na construção do mundo que queremos. A luta é coletiva, sim, mas só será efetiva quando todos entenderem que ela é, antes de tudo, uma responsabilidade compartilhada.



Fábio Corvo

Com quase 41 anos de vida, Fábio Corvo é um filho de Xangô, guiado pela sabedoria ancestral e pelo Orí cuidado pelas mãos de Doné Oyacy e Tata Ojary Kejessy. Nascido em São Paulo, mas criado nas quebradas de Porto Feliz desde os três anos, ele traz em sua história a luta em defesa das periferias e das Culturas Urbanas.
MC e poeta desde 1999, Fábio usa suas palavras como ferramentas para construir pontes, buscando mudanças e fortalecendo comunidades. Como produtor cultural desde 2005, ele é um dos fundadores do Coletivo Pic Favela e do Movimento Popular Maria Gerência de Jesus, iniciativas que nasceram para amplificar a voz e a arte das periferias.
Sua formação como agente cultural e militante foi construída no Movimento Hip Hop, especialmente através do já citado Coletivo Pic Favela e do Fórum de Hip Hop do Interior Paulista, espaços onde aprendeu que a cultura precisa de voz, ação e compromisso. Hoje, como colaborador do Circuito Paulista de Hip Hop, Fábio dedica-se a fomentar o ativismo cultural por novos horizontes do Estado de São Paulo.
Para Fábio, sua missão é clara: ser uma ferramenta do poder do Hip Hop, desdobrando versos em movimento e transformando vidas e comunidades. Nas suas próprias palavras; “Um servidor da cultura popular, disposto a trabalhar para que o Hip Hop continue sendo um instrumento de liberdade, identidade e transformação social.

Comentários (1)

Anderson Domingos da Silva
Anderson Domingos da Silva

Mano, tocou de forma certeira num assunto seríssimo, o cansaço que sofremos por nos sobrecarregarmos com lutas coletivas, defendendo uma multidão alienada e adormecida na ignorância! Isso eh mto foda, desgasta bastante e nos faz pensar em capitular diante das dificuldades! Mas mano, como disse um dia Mano Brown, quando a caminhada é dura, somente os duros seguem caminhando! Parabéns mano pela contribuição! Mto orgulho do quadro que se tornou! 4p!

1 mês atrás
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